A retomada do Varejo Físico
Há muito se vem falando sobre a necessidade de reinvenção das lojas físicas, sobre a necessidade de adaptação à jornada de compra digital e ao novo shopper. Surpreendentemente, temos um dado real de o quanto esta reinvenção já está em curso, em nível mundial: a PricewaterhouseCoopers revelou em seu relatório “Global Consumer Insights Survey 2018” uma importante tendência de crescimento das visitas às lojas físicas.
Segundo a pesquisa, uma porcentagem de 44% dos consumidores no mundo todo tem feito compras em lojas físicas ao menos uma vez por semana de produtos como roupas, livros ou eletrônicos. Esta mesma pesquisa vem sendo feita ano após ano, e o resultado de 2018 mostra uma tendência de crescimento em relação ao número de 2013, que era de 42%. Este número é ainda mais surpreendente por reverter uma tendência de queda que aconteceu até 2015, quando chegou a pouco mais de 30%. É surpreendente também um dado da pesquisa de 2016 que nos mostra que o hábito de comprar em lojas físicas é mais presente nos millenials do que em consumidores com mais de 35 anos (PwC Total Retail Survey 2016).
Por que as visitas semanais às lojas aumentaram? Segundo opinião manifesta na pesquisa da PwC, é provável que os compradores estejam procurando outra coisa. Em vez de uma tarefa prática, eles estão vendo as compras cada vez mais como uma experiência sensorial e social.
Esta conversa de reinvenção do varejo vem sempre acompanhada do diagnóstico de que “o mundo está mudando”. Muita gente diz a mesma coisa, mas poucos explicam o que efetivamente está mudando. O sociólogo Michel Maffesoli, em seu livro O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa, já sinalizava uma importante mudança na socialidade e na cultura do final do século XX, expressando a passagem da Modernidade à Pós-modernidade. Segundo Maffesoli, vivemos uma troca de paradigma em que o paradigma moderno, baseado nos papéis políticos estabelecidos a partir das classes sociais, vem sendo substituído pelo paradigma pós-moderno, estabelecido a partir de aproximações afetivas independentes de lógicas identitárias, que ele chama de “tribos afetuais”.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade do cansaço, aponta o fato de que a sociedade do início do século XXI é marcada pelo “desaparecimento da alteridade e da estranheza”. Ele nos apresenta a troca de paradigma de uma outra forma: a passagem de uma “sociedade disciplinar” a uma “sociedade de desempenho” onde somos todos empreendedores de nós mesmos, em um mundo com excesso de informações e estímulos que, segundo ele, fragmenta e corrói a atenção, gerando uma série de distúrbios psíquicos como a depressão, o transtorno de déficit de atenção (Tdah) ou a Síndrome de Burnout, por exemplo.
É fato que vivemos em um mundo onde as redes sociais nos colocam facilmente em uma bolha, afastando todas as opiniões contrárias e eliminando a alteridade. Han destaca que isso é reforçado por fenômenos típicos deste início de século, como o “binge-watching”, prática de assistir maratonas de séries. O entretenimento moderno não contempla diversidade, e o conteúdo oferecido está sempre alinhado com nosso gosto, afastando qualquer possibilidade de frustração. Han aponta que a falta de relação com o outro cria indivíduos narcisistas, provocando, acima de tudo, uma crise de gratificação. Nas palavras dele, “a gratificação como reconhecimento pressupõe a instância do outro ou do terceiro”.
O livro Sociedade do cansaço faz em sua conclusão uma profunda crítica ao hipercapitalismo, que, nas palavras do autor, “transforma todas as relações humanas em relações comerciais”, mas, pessoalmente, acredito que as relações comerciais permeiam a vida humana e foram responsáveis por grande parte do progresso da humanidade nos últimos séculos. Acredito que a crise apontada está menos no comércio em si do que na fragilidade das relações estabelecidas entre as pessoas. Fundamentalmente, acredito que as lojas físicas, e principalmente o estabelecimento de relações diretas entre as pessoas, olhar nos olhos, apertar a mão, comprar de uma pessoa e não de um site, resgatem para o consumidor, que antes de tudo é uma pessoa, uma familiaridade, um sentimento de comunidade e de socialidade que anda cada vez mais em falta no mundo.
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JOSÉ LUIS STRÖHER
Diretor de criação e produção gráfica, responde na pelas áreas de comunicação no ponto de venda e branding da CDA.
Os artigos apresentados e assinados não refletem necessariamente a opinião da CDA Design, mas demonstram a diversidade de ideias que respeitosamente defendemos.