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Nunca mais atualizo meu PPT

Para uma palestra no Festival da Transformação, em novembro de 2018, montei um PPT para guiar minha fala sobre branding essencial. Essa fala aborda o tema do fundamento materialista e da ótica da escassez, e os seus sinistros impactos ambientais, econômicos e sociais.

Meu objetivo era claro: demonstrar que aquilo que trouxe a humanidade da revolução industrial até hoje não nos levará adiante, mas que existem, sim, formas de fazer diferente e de seguir em frente com uma pegada mais leve.


Precisava de um exemplo impactante, que pudesse chamar a atenção de um público essencialmente jovem em um palco externo dispersivo pela música ambiental e pelo trânsito de pessoas, além da sempre desigual luta contra os smartphones.

Era noite de segunda-feira, cinco de novembro, aniversário de três anos do maior desastre ambiental do Brasil, quando a barragem do Fundão, operada pela Samarco e administrada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, não conteve os 55 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração que armazenava em seu interior e rompeu.


Pronto, era o exemplo impactante de que eu precisava, e iniciei minhas pesquisas.


Dados, entrevistas, relatos, infográficos e imagens, muitas imagens, muito mais do que eu gostaria de encontrar. Senti como se levasse um soco no estômago. Logo meu computador tinha uma coloração marrom, dele vertia lama... da lama ao caos, do caos à lama.


Sou apaixonado pelo tema da palestra, pensei que seria fácil essa fala. Mas, confesso, tive de ensaiar diversas vezes esses slides, não pela dificuldade de memorizar a informação contida, mas pela dificuldade de conter minha emoção. Treinei até conseguir um plug and play livre de nó na garganta. O meu relato e as imagens apresentadas sobre Mariana foram:


“A avalanche de rejeito de minérios movendo-se a uma velocidade de aproximadamente 35km/h (lembrando que Usain Bolt atinge, em uma pista, uma média de 45km/h) chegou em apenas 15 minutos à localidade de Bento Rodrigues, situada a 8km da barragem, com uma população de 620 habitantes, alguns entre as 19 vítimas fatais. Uma cidade que não existe mais.

Foto: AFP

Por 16 dias, a lama e os rejeitos de minério seguiram o leito de mais de 600km do rio Doce e seus afluentes atingindo cidades ribeirinhas e provocando escassez de água, diminuição da pesca, do comércio e do turismo. Algo entre 10 e 14 toneladas de peixes foram mortos nesses rios, e levantamentos atuais apontam que 11 espécies de peixes do rio Doce agora estão extintas.

Foto: AFP


A lama e os rejeitos de mineração atingiram o oceano Atlântico, na cidade de Linhares, na Praia da Regência, com uma das mais perfeitas ondas do nosso litoral, causando impactos ao ecossistema marinho, especialmente aos recifes de coral.

Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Ao todo, aproximadamente 1,2 milhão de pessoas foram afetadas em 39 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, com mais de 2 mil hectares de terras inundados e inutilizados para o plantio. Estima-se que 100 anos sejam necessários para a recuperação daquele ecossistema.”


Mas como falar sobre Mariana se uma tragédia ainda maior (como se houvesse uma escala do que pode ser maior e pior) acaba de ocorrer em Brumadinho?


Simples, se não aprendemos com Mariana, aprenderemos com Brumadinho? Não sei. Só sei que não vou usar mais esse exemplo quando abordar o tema, pois não é um exemplo, é uma aberração.


Pelas centenas de vítimas de Mariana e Brumadinho, nunca mais atualizo meu PPT.


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RICARDO LOMPA NUNES

Brand Strategist e Coordenador de Marketing da CDA.

Os artigos apresentados e assinados não refletem necessariamente a opinião da CDA Design, mas demonstram a diversidade de ideias que respeitosamente defendemos.

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